Pouco se sabe acerca de como Diogo Álvares Correia foi parar em Paraguaçu, como chamavam os tupinambá a Bahia de Todos os Santos. Supõe-se que isto tenha ocorrido por volta dos anos 1510 ou 1511. Também não se sabe muito bem o que fazia aquele homem, ou melhor, aquele moço 1, nessa viagem. Não se sabe também de onde partiu, com quem viajava, se estava a serviço de Portugal ou de piratas franceses.
Sabe-se que ele sobreviveu a um naufrágio e que deve ter sido o único sobrevivente. E conseguiu chegar a nado até a terra onde, esquálido e quase se afogando, salvou-se. Saindo do meio das pedras, em algum ponto entre Itapuã e o Rio Vermelho. Os tupinambás, vendo- naquele estado, trataram logo de apelidá-lo: “Caramuru”, o que significa moreia ou lampreia.
Pode-se supor que o sujeito magro, trôpego e ofegante saindo do mar, em meio a pedras tenha feito os tupinambá lembrarem de uma moreia. Mas penso que também pode ser pelo fato de um tipo de feição comum entre portugueses tenha chamado atenção dos tupinambá e ele tenha sido comparado a uma moreia. Quem vai saber ao certo?
O que se sabe é que o Caramuru passou a viver entre os tupinambá por décadas. Casou-se com a filha do chefe, a índia Catarina Paraguaçu, cujo nome verdadeiro era Guaimbimpará. E como um homem de prestígio tinha várias outras concubinas, algo comum para aquele povo, naqueles tempos.
Histórias como as de Caramuru na Bahia ou João Ramalho em São Vicente e São Paulo são das mais antigas manifestações de um recorrente fenômeno cultural brasileiro, o qual Darcy Riberio viria a chamar de “cunhadismo”. Ou seja, o interesse dos índios em trazer brancos para sua aldeia, incorporá-los à suas famílias, servirem-se dos seus conhecimentos e de suas ferramentas. Isso sem falar do interesse das moças índias, que naturalmente se sentiam atraídas por aqueles jovens moços diferentes.
Em 1528 Diogo Álvares e a índia Guaibimperé de Paraguaçu viajaram com franceses para Saint-Malo, onde ela foi batizada e eles se casaram sob bênçãos católicas. Foi batizada Catarina do Brasil, em homenagem a Catherine des Granches, a mulher de Jacques Cartier, descobridor do Canadá.
Posteriormente em 1535 um barco espanhol parou na baía e esse encontro foi relatado por pelo cronista Oviedo y Valdés:
Ali vivia um Diogo Alvares, português, que lhes disse havia vinte e cinco anos que estava só naquela terra, e se achava mui bem com os índios e o tinham por seu capitão; lhe eram mui obedientes e os tinha tão sugeitos; lhe guardavam tanto acatamento como se nascera senhor deles; que tinha consigo sua mulher que era india da qual tinha muitos filhos e duas filhas casadas com dois espanhoes que ali estavam. Este assento e povoação de Diogo Alvares seriam até trezentas casas que e eram como casarias espalhadas porém á vista uma de outras muitas em que haveria mil homens índios e deram com este Diogo Alvares quatro cristãos que ali se tinham recolhido de uma armada ele Portugal que se perdera quatro m eses antes; a qual armada levava trezentos homens de que só estes escaparam… (os quaes) a nau S. Pedro levou a S. Domingos na ilha Espanhola. A este Diogo Alvares, deu-se a chalupa2 a troco de bastimento e tambem lhe deram duas pipas de vinho, e falouse-lhe em alguma cousa de fé e ao que mostrou, estava bem nella, e deu a entender que vivia naquella costa e soledade para salvar e socorrer aos cristãos que por ali passassem; e disse que havia salvado franceses, portugueses, castelhanos que por aquella costa se haviam perdido.
Naqueles anos estavam no início as doações de capitanias pela Coroa, para que os donatários promovessem o povoamento. E possivelmente Diogo Caramuru estivesse ciente dessas movimentações, uma vez que informou que numa fortaleza 80 léguas ao norte, chamada Pernambuco, estavam os comerciantes de pau-brasil aguardando a chegada de povoadores. Foi justamente nesse ano que Duarte Coelho chegou para fundar a capitania e a Vila de Olinda.